O que a lei brasileira diz sobre o código de vestimenta nas empresas
A decisão da Justiça do Trabalho em Recife que proibiu um posto de combustíveis de exigir que as frentistas usassem cropped e calça legging durante o expediente voltou a colocar em evidência um tema sensível para trabalhadores e empregadores: quais os limites das regras de vestimenta no ambiente profissional?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especificamente o artigo 456-A, concede às empresas o chamado poder diretivo, ou seja, o direito de definir padrões de vestimenta desde que a regra tenha finalidade prática, não seja discriminatória e respeite a dignidade do trabalhador. A advogada trabalhista Fernanda Mattos Oliveira detalha que o empregador pode estabelecer um código de vestimenta, mas precisa fornecer o uniforme gratuitamente, salvo em casos de danos intencionais ou mau uso.
Quando o vestuário está relacionado à segurança, o empregador tem ainda a obrigação de fornecer o Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado. Isso, inclusive, está previsto na convenção coletiva dos frentistas do estado.
Quando o código de vestimenta ultrapassa o limite legal e vira abuso
No caso do posto de combustíveis do Recife, a Justiça reconheceu que a exigência do uso de cropped e calça legging expunha o corpo das trabalhadoras, aumentando a vulnerabilidade e o risco de assédio. Segundo o advogado Marcel Zangiácomo, a imposição de roupas curtas ou justas, com conotação sexual, não tem qualquer finalidade profissional, configurando abuso do poder diretivo da empresa.
Ele enfatiza que o uniforme deve ser funcional, pautado na segurança, higiene ou identidade visual. A sexualização do corpo do trabalhador é ilícita e viola direitos fundamentais, como dignidade, igualdade e integridade física e moral, podendo ainda configurar assédio moral ou sexual.
Outro aspecto destacado é que a regra torna-se abusiva quando interfere na intimidade do trabalhador, gera desconforto, cria padrões discriminatórios entre gêneros ou provoca vergonha e humilhação, ultrapassando o limite da legalidade.
Direitos dos trabalhadores: até que ponto podem se recusar ao uso do uniforme?
O uso do uniforme é em geral obrigatório, e a recusa injustificada pode levar ao entendimento de insubordinação e, consequentemente, à demissão por justa causa, conforme explica o advogado Aloísio Costa Jr. No entanto, há exceções relevantes: quando o uniforme viola normas de segurança, expõe o corpo indevidamente ou desrespeita a dignidade do trabalhador, ele tem o direito de negar o uso.
Além disso, o trabalhador que se sentir constrangido por uma regra abusiva deve reunir provas, como mensagens, fotos e ordens por escrito, e denunciar o caso ao setor de Recursos Humanos, ao sindicato, ao Ministério Público do Trabalho e buscar orientação jurídica.
Cuidados que as empresas precisam ter para não ferir a legislação e a dignidade
Antes de definir um código de vestimenta, as empresas devem consultar seus departamentos jurídicos e ouvir os trabalhadores para garantir que as regras atendam a uma finalidade genuína e funcional, como segurança, higiene, padronização ou identificação visual. O advogado Aloísio Costa Jr ressalta que exigências meramente estéticas, especialmente aquelas que expõem o corpo ou têm apelo sexual, não são justificáveis e podem resultar em consequências jurídicas.
O conforto e a segurança também são pontos-chave, especialmente em setores que trabalham com riscos específicos, como o manuseio de inflamáveis, onde o uniforme pode ser classificado como EPI. Nestes casos, a oferta gratuita é obrigatória, conforme a CLT e as convenções coletivas.
Fernanda Mattos reforça que as roupas devem respeitar o clima, o tipo de atividade e respeitar a igualdade entre gêneros, evitando critérios diferentes que possam gerar discriminação. O uniforme, em sua essência, deve servir ao trabalho, não ao corpo, sintetiza o advogado Marcel Zangiácomo, sintetizando o entendimento consolidado pela Justiça e especialistas.

