Polêmica sobre vaga em doceria destaca debate sobre salários no setor de alimentação
Uma vaga para auxiliar de cozinha na Scherbi’s, doceria fundada pela chef Isa Scherer, campeã do MasterChef Brasil 2021, reacendeu debates importantes sobre as condições de trabalho e remuneração no setor de alimentação. O anúncio da vaga, revelando uma jornada das 14h às 22h, trabalho aos finais de semana e feriados, com salário de R$ 1.800 sob o regime CLT, viralizou nas redes sociais em maio de 2025. Muitos internautas classificaram o valor como baixo e exploratório.
Porém, especialistas e representantes do setor esclarecem que o valor oferecido está próximo ao piso salarial vigente antes do reajuste de julho de 2025, e pode estar dentro da legalidade, a depender dos benefícios oferecidos e do enquadramento da empresa.
O que diz a legislação e a Convenção Coletiva da categoria para o setor de alimentação
O setor de bares, restaurantes e similares em São Paulo é regulamentado pela Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) 2025/2027, firmada entre sindicatos patronal (SINDRESBAR) e dos trabalhadores (SINTHORESP). A data-base da categoria ocorre em julho, quando os reajustes salariais entram em vigor.
Como a vaga na Scherbi’s foi anunciada em maio de 2025, ela segue os valores anteriores ao reajuste. Os pisos salariais a partir de julho deste ano são R$ 1.804,00 para o Piso Especial, R$ 2.070,51 para o Piso Diferenciado, e R$ 2.360,06 para o Piso Normal, variando conforme os benefícios oferecidos pela empresa.
Segundo Marilene Leite, coordenadora jurídica da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp), um salário bruto de R$ 1,8 mil representa um custo aproximado de R$ 3.600 para o empregador, considerando férias, 13º salário, FGTS e encargos sociais, que giram entre 40% a 50% apenas em tributos sobre a folha.
“Não se pode considerar de forma simplista que R$ 1.800 seja muito baixo, especialmente levando em conta que o salário mínimo nacional é de R$ 1.518,00 e que há benefícios previstos na Convenção Coletiva, fruto de conquistas legítimas dos trabalhadores (…)”, afirma Marilene.
Benefícios obrigatórios e regras para jornada e trabalho em finais de semana
Além do salário, a CCT estabelece benefícios como vale-transporte, vale-refeição para empresas que não fornecem alimentação no local, taxa de manutenção de uniforme, seguro de vida, assistência odontológica e psicológica, dentre outros. Estes não precisam necessariamente constar no anúncio, mas devem estar devidamente formalizados em contrato e junto ao sindicato.
A jornada de 8 horas diárias prevista na vaga está em conformidade com o limite legal de 44 horas semanais. O trabalho em finais de semana e feriados é comum e autorizado, inclusive regulamentado pela Portaria 671 do Ministério do Trabalho. Nesses casos, há previsão de compensação de jornada, banco de horas, descanso semanal remunerado e pagamento em dobro para domingos e feriados não compensados, assim como adicionais de horas extras que variam entre 50% e 100%, dependendo do enquadramento da empresa.
Outro ponto peculiar da categoria é a chamada estimativa de gorjeta, que, mesmo não sendo paga diretamente ao trabalhador, integra o cálculo dos benefícios trabalhistas, como INSS, FGTS, férias e 13º salário.
Resposta da Scherbi’s e o compromisso com a legislação
Diante da repercussão negativa, Isa Scherer explicou que a vaga foi publicada no início da empresa e que os benefícios previstos na Convenção Coletiva estavam presentes, mesmo não constando no print viralizado.
“Essa vaga foi publicada em maio de 2025, logo no início da empresa. No print que viralizou, não mostrava a parte onde falavam dos benefícios, mas eles sempre existiram”, afirmou a chef em comunicado.
Também ressaltou que a Scherbi’s segue rigorosamente a legislação trabalhista, as normas coletivas e registra todos os colaboradores conforme a CLT, garantindo registro, benefícios e condições previstas em lei. A empresa reforçou ainda que realizou pesquisa e consultoria jurídica para definir a remuneração conforme o mercado e as leis.
Em nota oficial, a Scherbi’s declarou compromisso com a valorização dos colaboradores, transparência e ética, afirmando estar aberta ao diálogo para continuar aprendendo e melhorando as condições aos funcionários.
Contexto e reflexões sobre o debate salarial no setor
O episódio envolvendo a vaga na Scherbi’s reacendeu o debate sobre as condições de trabalho no setor de alimentação, muitas vezes marcado por jornadas longas, trabalho aos finais de semana e retribuição financeira considerada insuficiente por grande parte da sociedade.
Embora o salário oferecido esteja dentro dos parâmetros legais, a repercussão evidencia a crescente expectativa do público por padrões mais justos e transparência por parte das empresas. É essencial que o setor continue evoluindo em direção à valorização dos profissionais, aliado a respeito da legislação e atenção às demandas sociais.
Na prática, o caso mostra que o conceito de salário abusivo vai além do simples valor nominal. Ele envolve análise conjunta da jornada, benefícios, encargos legais e condições reais de trabalho, reforçando que informar claramente todos os detalhes da vaga é fundamental para evitar mal-entendidos e críticas nas redes sociais.
Assim, o questionamento sobre se a vaga na doceria de campeã do MasterChef é ou não abusiva ajuda a impulsionar a reflexão necessária para melhoria das práticas no setor de alimentação e para o equilíbrio entre empregadores e trabalhadores.

