Impactos do trabalho na saúde mental dos brasileiros: como ambientes profissionais têm gerado adoecimento e afastamentos

O peso do ambiente de trabalho na saúde mental dos brasileiros

A saúde mental dos trabalhadores brasileiros vem sendo impactada de maneira significativa pelo ambiente profissional, a ponto de afastar quase meio milhão de pessoas de suas funções a cada ano. O Profissão Repórter trouxe à tona relatos impressionantes e dados alarmantes, que demonstram como o cotidiano no trabalho tem se traduzido em quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos.

Professores: vítimas frequentes do adoecimento mental provocado pela violência e falta de reconhecimento

Entre os grupos mais afetados, os docentes das redes públicas têm sofrido com o crescimento das doenças mentais. Entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025, mais de 34 mil licenças médicas ligadas a transtornos mentais foram concedidas para professores da rede municipal de São Paulo.

Uma professora de 58 anos compartilhou que seu quadro de ansiedade generalizada, incluindo estresse intenso e crises de pânico, foi agravado pela violência verbal e gestual de um aluno. Ela relata: “A agressão foi verbal e aquela coisa de colocar o dedo no meu nariz, no meu rosto e eu sempre me esquivando, pedindo para ter paciência, porque daquilo, que não era necessário e foi aí falei que não queria mais”.

Apesar da recomendação médica de afastamento por 60 dias, a perícia concedeu somente um mês. A professora já iniciou o pedido de aposentadoria, pois não se vê retornando à sala de aula, lamentando não poder encerrar sua carreira profissional com orgulho, como gostaria.

Caroline Fanizzi, professora da Faculdade de Educação da USP, que pesquisa o sofrimento docente, enfatiza que não se deve culpabilizar o profissional individualmente: “Que lugar a sociedade está atribuindo aos professores e professoras? É um problema psíquico bastante relacionado a uma ausência de autonomia que os professores sentem dentro das escolas, uma ausência de reconhecimento daquilo que os professores exercem em seu ofício”.

Profissionais de saúde também enfrentam transtornos mentais agravados por o ambiente de trabalho

O caso da técnica de enfermagem Leonora Silva exemplifica outra realidade preocupante. Atuando na hemodiálise em regime de alta complexidade no CTI, principalmente durante a pandemia, ela enfrentou uma desigualdade de cobranças e estresse extremo. Leonora descreve a ansiedade crescente e a pressão diante do aumento de óbitos, até que sofreu uma crise de ansiedade grave durante um plantão.

Mesmo com diagnóstico de transtorno de ansiedade e depressão, ela trabalhou por mais um ano antes de ser afastada em dezembro de 2024. Leonora desabafa: “Eles não acreditam no profissional. Acham que a gente está fazendo corpo mole e essas coisas. E a gente não pode ficar doente. A gente tem que cuidar de doente, mas não pode adoecer”.

Desde o afastamento, Leonora relata um isolamento social completo, passando os dias em casa e evitando contato com outras pessoas, revelando o impacto profundo que o trabalho teve em sua saúde mental.

A saúde mental ainda é tabu entre policiais, e o suporte psicológico é fundamental

No segmento da segurança pública, a policial militar Alessandra Félix, que sofre de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), chamou atenção ao relatar a dificuldade do reconhecimento e tratamento adequado da saúde mental. Ela conta que muitas vezes precisa que outras pessoas percebam sua condição antes que ela mesma aceite o problema: “Às vezes é preciso que alguém de fora venha e diga: ‘Você não está bem, seu olhar está triste. O que está acontecendo?’ Até quando você vai olhar e falar ‘está tudo certo’? Infelizmente, a saúde mental é vista como um tabu ainda”.

Alessandra participa de rodas terapêuticas organizadas pela Associação Integrada de Mulheres de Segurança Pública em Sergipe, que oferece suporte psicológico a mais de 200 agentes. A diretora do grupo, Svetlana Barbosa Silva, também policial militar com 29 anos de experiência, destaca a sobrecarga enfrentada pelas mulheres dentro e fora do serviço: “A gente entendeu que precisava dar um suporte maior porque essa demanda que cresceu, a gente viu o adoecimento de algumas militares, algumas policiais que chegavam até nós para procurar suporte psicológico, porque tinha não só a carga do trabalho, a dupla jornada, situações normais do cotidiano da mulher, com família, relacionamentos, financeiro”.

Medidas e respostas das autoridades públicas

Reconhecendo os desafios, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que desde 2024 tem oferecido atendimento psicológico e psiquiátrico aos seus servidores, contabilizando mais de 650 mil teleatendimentos. Além disso, mantém um projeto importante chamado Melhoria da Convivência e Proteção Escolar, que busca orientar sobre saúde integral e incentivar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Quanto às divergências entre recomendações médicas particulares e decisões de perícia quanto ao afastamento, a Secretaria de Gestão do Estado explicou que os peritos oficiais realizam avaliações técnicas e imparciais para definir a necessidade e o tempo adequado de afastamento.

Considerações finais

O crescente número de afastamentos por questões ligadas à saúde mental demonstra que o ambiente de trabalho, em diferentes setores, pode ser um fator crucial para o adoecimento dos profissionais. Historicamente invisibilizada ou tratada como tabu, a saúde mental requer atenção urgente e políticas eficazes que garantam suporte contínuo, reconhecimento dos desafios enfrentados e a valorização dos trabalhadores.

Só assim será possível minimizar os impactos negativos no dia a dia de milhares de brasileiros, garantindo condições dignas para que possam executar suas funções sem comprometer sua integridade psicológica e, consequentemente, sua qualidade de vida.

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